quarta-feira, 30 de junho de 2010

La plaine

c'est fait très lentement
pour qu'on ne se trompe pas de corps
pour qu'on ne se trompe pas de vie
je nous vois venir de très près
dans l'immense térritoire
du désir

terça-feira, 29 de junho de 2010

tu as serré le noeud sous mes yeux
en me disant très calmement
ceci n'est pas un noeud
je cherche encore
le mot

on bouge à peine
ce minimum absolu
de respirer ensemble
sans que le coeur le voie

segunda-feira, 28 de junho de 2010

repara que se a escolha diária fosse
a da atenção ao teu mais pequeno gesto
e todos os gestos são pequenos, basta pensar
talvez o tempo reconsiderasse a sua impotência final

domingo, 27 de junho de 2010

Diastole

je commence ma journée avec la comparaison
qui l'a inaugurée
voici la route par où le sang
me poursuit
comme si c'était possible
de se redresser l'être tout entier
en permanente systole
quand l'envie de l'autre
te prend

sábado, 26 de junho de 2010

estamos sempre certos quando num encontro
voltamos aos paraísos que outros nos deixaram
e continuamos a voltar até que nos possamos deixar
antes de amanhã


Volver

dire d'un accord entre-deux
qu'il dure
dire qu'il va d'une minute à l'autre
d'une vie à l'autre
c'est juste le dire
ce n'est que le dire
raconte-moi si tu le sais
si le temps d'un tango est la mesure
si le temps d'une vie est la mesure
comment
vraiment comment
ne pas en mourir

sexta-feira, 25 de junho de 2010

todas as datas coincidem nesse momento
no poema que se tornou
verbo consciente

quinta-feira, 24 de junho de 2010

venho aqui falar comigo
e contar o voo aos pássaros


quarta-feira, 23 de junho de 2010

o que em ti é ausência
diz-me presente
corri as janelas
para não ver
que não estás
mas sei que está sol

e saber disso
desse sol que está
é saber sempre de ti

saio

terça-feira, 22 de junho de 2010

je reprends tes mains
là où tu apprivoises
le fil d'eau
je le suis
là où se trouve
ma soif

segunda-feira, 21 de junho de 2010

dou às criaturas do lago interior
liberdade para brincar
e da luz digo-lhes
que leva dentro
a treva original

domingo, 20 de junho de 2010

6

a magia é rara
mas troca de mãos
terás de ensurdecer
para lhe ouvir
a vibração

sábado, 19 de junho de 2010

a andorinha era afinal um lenço branco
e o lenço branco é o algodoeiro
e o algodoeiro
é o sangue das mãos que o colhem
e a colheita és tu
e o sangue é nosso

só a andorinha
não existe

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago

a bagagem do viajante vai leve
leva apenas os poemas possíveis
e todos os nomes

quinta-feira, 17 de junho de 2010

5

aucun sens ne manque aucun
je te sers la divinité du jour
pour qu'on la mange

5

parle juste un peu plus fort
que je puisse partir
dans nos bras

5

si au moins ta distance
était celle de l'enfance

5

je n'ai pas besoin de mes yeux
quand ta voix tremble

Meu amor, hoje

o pedaço de papel no chão
tinha dois erros ortográficos
na parte da frase virada para cima
nunca ninguém os descontará à semântica
do coração

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Catatonie

le tour du monde
le tour de la piste
le tour de tes bras


le tour de tes bras
le tour de tes bras
le tour de tes bras


et moi

terça-feira, 15 de junho de 2010

prête-moi tes mains
et je défais le noeud
la corde
je joue avec
talvez o dia hesite a luz
e os pés mal toquem o chão
da ordem interior pouco sabemos
talvez a terra,
mãe de todos os passos
saiba apenas embalar os seus
e tremer sempre também
talvez nada,
e depois uma mulher
e depois um homem


segunda-feira, 14 de junho de 2010

poema bio-degradável

da noz que comeu
deu a casca ao rio
encontrará barqueiro
verá mundo

domingo, 13 de junho de 2010

Partilha

a Tabacaria fechou
o Esteves já não está

Boleia

aladino ainda não passou
e as crianças à beira da estrada
contam-se histórias intermináveis

sábado, 12 de junho de 2010

cansam tanto todas as palavras
não tenho nada para dizer
as cartas que te escrevo
estão todas vazias
só têm papel
e tinta
só os teus dedos falam

Sopa de pedra

as mulheres
rosas ou seixos
juntam os joelhos
e migam os silêncios
para dentro das noites
poucos sabem que é assim
que lhes vem o dia


sexta-feira, 11 de junho de 2010

resisto ao teu cassavetes
resisto ao teu fauré
esta noite
deito-me ao sol

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Genealogia dos possíveis

Narciso foi condenado a rever-se no mar
Ariana cortou o fio com os dentes
Pessoa foi biograficamente
feliz

quarta-feira, 9 de junho de 2010

se me respondesses a tudo
eu não deixava de perguntar
o parisiense dizia que atrás do corpo
não há nada
mas esqueceu-se de que gostamos de espreitar
o porto das acumulações
tem as janelas fechadas
entra-se pela fechadura
não há porta
dentro, uma bengala cega
e pó, versos, rosas
passados de tudo
tal e qual como num poema
os navios chegam e partem
é um porto
entramos por ele devagar
e vemos as manhãs amarar
como num poema


da matéria-memória do tempo sobrou um eco:
uma vibração por dentro
escrita fora

terça-feira, 8 de junho de 2010

todos os meus poemas estão apenas a caminho de estarem prontos
ou talvez estejam apenas sentados numa qualquer pedra a pensar nisso
posso ainda voltar e arrancar dali o adjectivo
que me afasta do nome
do teu nome,
que é verbo
que é mar

Vertigem

perante o poeta
as montanhas respondem:
fazem-se vales

segunda-feira, 7 de junho de 2010

hoje és matéria
escondo os olhos
ao teu mistério

saberei tudo
mais logo

domingo, 6 de junho de 2010

continuas aí fora
passarás por mim no Sena
ou serei eu que passo por ti no Sena
talvez arranje uma desculpa para parar
e voltar atrás
o problema da tua morte resolveu-se
é um medo a menos, uma certeza a mais
ontem é o útero onde terás de caber

Exegese

eis um verso:
comamo-lo!

sábado, 5 de junho de 2010

Corps à coeur*

já foram de sangue
os corpos de luz e sombra


* título roubado a um olhar



o som e o silêncio dançam
esquecidos
num compasso só deles
os juízes recusaram sempre o embate
entre o sabre e o florete:
desigual!
proibiram igualmente as máscaras:
frágeis, todas!
assentimos e saímos para uma rua
onde constatámos a nossa surdez
e caímos
pelo toque ou
pelo tempo

sexta-feira, 4 de junho de 2010

as palavras não têm de ser
a poesia nem sequer existe
e se existisse
esperaria pelas tuas mãos

contavas-me sempre a mesma história:
a beleza impraticável de um desacerto
que ficou por intitular

quinta-feira, 3 de junho de 2010

As Iniciais

quando heteronimicamente nos juntavam
nos mesmos dedos
desprendiam-se deles verdades
não-poéticas
quero-te ainda inteiro
ainda que calado
esse recanto desconhecido do tempo
é um campo aberto a céu perdido
onde finges olhar em frente
para espreitar pelos lados
nossos

quarta-feira, 2 de junho de 2010

o que inacabou
é um gerúndio doce
de futuro inesperado
je dansais le silence cette nuit
au bord des bras de la nuit

le départ pressé, toujours
et inutile
le dernier métro était passé

la voix a annoncé la fin du service
pour cette nuit




aquele miúdo que passou há bocado
levava o balde cheio de água trôpega
ria-se para dentro, ajeitando as lentes
corria como num arco-íris mas
descalço para sentir a terra


com a pressa, não viu as árvores
que entretanto nasceram
à sua passagem
no festival de poesia para os pássaros
haverá maçãs sem aqueles pedaços
que a fome arranca,
vens?

terça-feira, 1 de junho de 2010

1935
2010
estão dois poetas no cais
um seminário sobre o teu poeta
para fechar a tarde
nela, o homem sozinho nas escadas
e três passantes que param
em tempo vagamente coincidente
na borda do passeio,
a chuva que tão fisicamente cai
diz-me que foste ver o mar