sábado, 30 de abril de 2011

um par de submarinos para uma nação

o Arpão veio fazer companhia ao Tridente
patrulharão os mares sempre atentos
não vá António Vieira despertar
e lembrar-se de um novíssimo
sermão aos peixes!


Ás

sabemos que sim,
que a vida é um castelo de cartas
que o vento é francamente caprichoso
e que nada poderá parar aquela queda programada

agora está um montes de cartas no chão que é preciso apanhar
e guardar para a próxima vez em que que fingiremos apenas jogar

terceto sindical

antes do primeiro de maio
passamos o ano a tentar perceber
este trabalho que é viver

quinta-feira, 28 de abril de 2011

poema para pacote de açúcar

leu gostou memorizou
fez copy paste
e foi à vida




ambição

ter o silêncio da manhã antes do sol
e gozá-lo por entre as pálpebras
levemente entreabertas
eis tudo

quarta-feira, 27 de abril de 2011

E110

o amor está gasto
mais vale um rebuçado
que saiba mesmo a laranja


segunda-feira, 25 de abril de 2011

do Tejo saem os barcos da minha infância
aqueles que me levavam sempre a outras margens
as palmeiras eram mais altas e os quintais mais labirínticos
e os primos e os homens e as mulheres da família tinham nomes exóticos
e sorriam como se tivessem segredos que tocassem na passagem do sol:
"mais tarde" diziam, e era certa a revelação de todos os mistérios
mais tarde, eu saberia

domingo, 24 de abril de 2011

rima revolucionária

abril chega e as ruas entopem
nos acessos ao shopping

sábado, 23 de abril de 2011

1/100

prenons un mètre
un fil tout droit, métallique
bien marqué, régulier, réel
un mètre
mesure de surface
mesure de longueur
j'ouvre mes mains et
je l'ai, ce mètre de long
pas de densité, car
il n'est pas carré comme
l'espace où je me trouve
il n'est pas intérieur comme
l'espace où je me retrouve
les mètres y sont mystérieusement
confondus avec les heures

il fait un mètre, cet espace
que mes mains couvrent, écartées
l'une de l'autre et le fil métallique et dur
au milieu
ce mètre, pourtant
est bien puissant, bien malin
car il dit très exactement
le début de ton absence
le début d'une route trop longue
pour mes jambes et mon souffle
non, ce mètre n'est pas l'infini
il commence: la marque est là!
et il finit: la marque est là!
ce mètre, je le mesure avec mes mains
je connais même chaque centimètre
entre les deux bouts que je parcours
presque tendrement, comme une partition
qui me pousse gentiment à chanter

ce mètre est exactement comme les autres
comme tous les autres que je n'ose pas compter
de peur de me perdre et de ne plus jamais te retrouver

ce mètre restera ainsi un mètre
sur la route de l'infini

je laisse tomber le fil
et le métal résonne
dans la pièce

(tu es là)


sexta-feira, 22 de abril de 2011

pensar que céu e mar são azuis por engano nosso
é ainda amar esse engano e essa luz e esse saber
passeio perto da onda e minto à eternidade



quinta-feira, 21 de abril de 2011

desce, vem comer
fiz hoje repasto do dever
e misturei-lhe ervas e flores
muito iguais às que me deste
vivas e cuidadas e tão precisas
que me corto sempre com vagar
nos espinhos de todas as hastes
e levo-te comigo à Provença
para colher o início da
primavera em ramo
em flor

relance

soletra-me o nosso futuro,
começa ontem
soletra-me o fim devagar,
começa já
talvez assim eu tenha tempo
de viver tudo e voltar ainda a tempo
de nos ver

terça-feira, 19 de abril de 2011

cai chuva pelo meio de uma noite quente

conjura da terra e do canto das cigarras

que nos acompanhou o sono

segunda-feira, 18 de abril de 2011

sóis

atrás daquele magnífico entardecer

que os mares atravessam

fica a ilha dos amores

por fazer

gerações

jogam-se à mesa as cartas de séculos

a arte do pastor e do agricultor

e o olhar benevolente de histórias sabidas

por mais do que uma sabedoria

amanhã, ouve-me,

todos ainda dirão que o tempo

o tempo! passa

sábado, 16 de abril de 2011

http

times new roman

tamanho doze


papel branco

lápis preto


a mão

sexta-feira, 15 de abril de 2011

assembleia

o discípulo estava só

e assim como estava

partiu o pão e serviu o vinho

por todos os judas presentes

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Desnorte

betão lisinho,
o da nota
cinzento rápido,
o da estrada
e o povo pasmado
ainda, ainda
a vê-los passar

terça-feira, 12 de abril de 2011

osmesmos, osmesmos!
engravatados, aprumados,
com a honestidade e o carácter
a arrepiarem-lhes o lábio e a lábia
coveiros de luva fina e jantar tardio
messias de estatura média e dispepsia
urnas finais da mentira-hóstia da pátria!

voto.

desistência colectiva.

homens-palhaço-da-luta.

voto:

FORA!

com uma mulher grávida
com um aprendiz de qualquer coisa
com uma árvore e as tuas mãos
havemos de nos governar

domingo, 10 de abril de 2011

ao poeta

lembrei-me hoje por total descoincidência
da praia onde iríamos esperar o mar
do cais onde nos sentaríamos
a jogar às viagens
partidas reais,
todas elas
e voltar,
sempre


Un

les instants respirent à travers nous
leur tendance à s'éterniser

sábado, 9 de abril de 2011

terá sempre de haver quem siga o curso de uma gota de ar até ao fim
e faça desse trilho uma duração inquebrável de possíveis
e viva dele sem falha e sem esperança


quinta-feira, 7 de abril de 2011

les passants et le parvis

les mots que tu dis ce soir
sont venus me rencontrer:
des roses, quelques abricots
et un grain de sable horizontal
ainsi s'explique la migration
d'un nuage qui s'est fixé:
l'instant-cliché de nous


quarta-feira, 6 de abril de 2011

o dia acabou
o dia começou
no intervalo
durou a vida

terça-feira, 5 de abril de 2011

o futuro faz-se por entre escombros
e rumores que o vento leva
a outros crentes:
talvez haja ainda
uma roda apertada
e lugar para mais um

segunda-feira, 4 de abril de 2011

l'indiscrétion

le corps secoué au hasard du mouvement du train est
le corps secoué dans l'intention de l'amour est
le corps secoué par cet immense silence
des illusions jamais osées
des questions jamais posées
sauf celle-là, indiscrète
dont le secret n'est
que ton regard

le train a continué sa marche
(vers la dernière station)

domingo, 3 de abril de 2011

para M.

tinhas razão
a escada tem sempre um degrau
mais abaixo e outro e ainda mais um
subi-los-ei por isso a todos teimosamente
e até já não ter carne nas mãos e nenhuma luz
que me faça fechar os olhos como numa alegria
inesperada

Saturne menotté

la jalousie des dieux est telle
qu'il faudrait même se cacher
ses propres bonheurs
de ce pas, viens
prenons la marguerite
et effeuillons-la aveuglément
pour qu'elle ne nous révèle rien

sábado, 2 de abril de 2011

do mito

reuniram-se os deuses para deliberar
do trajecto da seta e dos ventos

em baixo, os humanos esperam
com uma ansiedade natural

entretanto, mais perto
um pássaro distrai-se

e cai no colo de Vénus

sexta-feira, 1 de abril de 2011

estranho som o da terra a engolir os seus filhos
das entranhas revoltas em dor e da passagem
que talvez acabe num rio macio e silvestre

estranho som o dos teus olhos a entoar manhãs
e a entrar devagar pelas noites já quentes
como cigarras que ensaiam o seu canto
ensurdecedor

e por fim o silêncio que haverá depois
depois de uma rosa romper do nada
e dela me nascerem as mãos