quarta-feira, 29 de junho de 2011

uníssono

estranha militância, essa
sem causa nem mãos fechadas
sem palavra-de-ordem
sem canções-de-marcha
sem sequer um papel
a convocar alguém:
vem!
e vieram dois
e encheram a praça

domingo, 19 de junho de 2011

é claro que o poeta vai salvar o mundo
ainda que seja amanhã, ainda que seja
tarde de mais

é no tempo que vem depois
que quase tudo se passa

guardo-te então
para mais logo

o momento

sábado, 18 de junho de 2011

pretéritos

dessa história que me contaste
retive pássaros e fios, rios em aldeias
que não existem em mapa nenhum, mãos e corpos
tão humanos que parecem sentir eles quem os ouve
a serem contados e talvez, talvez assim seja, porque
das histórias que me contaste, nunca se soube
o lado em que nos encontrámos


quinta-feira, 16 de junho de 2011

siete palabras
para que la marea
olvide al mar

quarta-feira, 15 de junho de 2011

barcos negros e revoltos
paredes de água e frio
corredores verticais
a pique, a pique!
e descem sempre
descem sempre
ralo eficaz da miséria
ralo largo escorredor
descem e descem
mais de nove abismos
muito mais!
contem-nos
contem com
nenhum abrigo
nenhum canto
nenhum chão

o sol é para quem ficou
à beira-mar

Eco e Narciso

a única obscenidade é a tua dor não ter grito
que lhe responda estilhaçando-a
a última solidão do mundo
é o vale onde Eco deixou de repetir
um amor que ficou por sentir

segunda-feira, 13 de junho de 2011

un mot qui sert à l'appropriation exclusive et intime de tous n'est plus un mot
il est la vérité exclusive et intime du passant qui l'a prononcée sans jamais
l'entendre, tel l'oiseau qui vient souvent survoler ces lignes

couplet

um imenso relógio contrário
o chão onde nos perdemos


domingo, 12 de junho de 2011

encontro

das cordilheiras caem pedras todos os dias
rolam e param quando há um vale
ou viajam se passa um humano
e leva sem saber essa pedra
pedra pequena pedra areia
pedra pó pedra caminho
pedra imensa
mundo

sábado, 11 de junho de 2011

le temps, demain

quelle solidité, cette branche
l'arbre, la terre et même l'oiseau
si proches, on dirait qu'ils sont là
on dirait d'eux qu'ils sont réels mais
le nuage s'est défait entier sur ma peau
je tremble de froid et tes bras m'entourent
et je redeviens branche, arbre, la terre, le vol



sexta-feira, 10 de junho de 2011

o vaso preto (para L.)

serve o vaso preto para nele se afogar
a mágoa que cobre de negro o céu
cabe nele a noite que te envolve
e a mancha que te pesa
cabe tudo nele
até a mão que um dia o há-de quebrar
para cuidar da flor entretanto nascida
descuidada, da terra e da chuva
de todos os prantos



quarta-feira, 8 de junho de 2011

a margem

serve a ponte incompleta apenas
para se saber que há caminhos
que acabam em si mesmos
serve a ponte também
para poder regressar
ao cais e esperar
pela incerteza
do barco


domingo, 5 de junho de 2011

um brinde aos indiferentes!
muito boa é a vida quando
não é preciso proteger os olhos
da luz de dentro, quando o corpo
obedece ao tempo e se senta ou levanta
sem que se conheçam as costuras do sofrimento
quando a noite se anuncia solidamente cronometrada

para que nenhum sonho venha alterar a manhã em que
passando talvez um pouco mais devagar se desse o indiferente
conta de que aquele pequeno amontoado de penas acastanhadas
estranhamente disposto no chão, é afinal o pássaro que na madrugada

cantava o mundo por haver


quinta-feira, 2 de junho de 2011

amplification

la fausse note est la seule qui ne ment pas
défaut d'un temps trop précis pour la voix
elle perd continûment et très parfaitement
le moment où elle aurait pu être
simplement
juste