quinta-feira, 24 de novembro de 2011

de um poema devem constar

primeiro
princípios-gerais aplicáveis uma só vez
que a mão que escreve, logo esqueça!
segundo
medições rigorosas da intensidade
de tudo o que lá não está, estando
terceiro
imaginar que o teu punho tão cerrado
é agora palma estendida na pele das palavras
quarto
saber que não temos mais tempo
quinto
não termos mais tempo



quarta-feira, 23 de novembro de 2011

la faille

le lendemain
la trace de sang sur le mur
ressemblait à un arbre
que l'hiver pourrait
enfin aimer


domingo, 20 de novembro de 2011

a bordo

quantos mundos desfeitos
no teu cantar!
mas mais ainda havia
que começavam
e por ali iam agitando-se
nos teus olhos subitamente
tão marítimos
cintilava neles o mar escondido
por nunca ninguém haver nele naufragado

cantavas sem ver que a passageira
tinha largado as mãos da borda

cantavas sem perceber o que diziam
as ondas subitamente
tão revoltas

a cor do fundo do mar
é o seu maior silêncio

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

criou abutres com desvelo
e estendeu-lhes a própria mão
e assim de grito em grito se achou
no deserto que nenhuma água tocou


terça-feira, 15 de novembro de 2011

o que mais gosto em ti é o queixo
parece que ri mordendo uma ideia
que alguém deixou esquecida

domingo, 13 de novembro de 2011

le vol

trois petits voleurs,
trois chérubins
crient leur fausse détresse:
un peu d'eau, un verre d'eau, de l'eau!

s'il vous plaît, monsieur, madame, on vous veut complètement distraits,
l'un avec l'autre ou l'un dans l'autre, l'un pour l'autre, distraits, parfait!
on peut commencer à vous dire ce que vous n'entendrez pas:
nous sommes des créatures de sainteté
ceci n'est pas un vol vulgaire
mais une blessure
bien délibérée
elle y est
vous partez, les plans refaits, main dans la main
sous la pluie presque joueuse et un vent très malin
un vol, quelle contrariété!
elle y est
vous touchez peut-être à son nom, peut-être à son sang
quand vous oubliez le vol vulgaire et apparent
cette blessure... donne-moi ta main

monsieur, madame, veuillez excuser
les trois petits voleurs,
les trois innocents
de cet instant


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

a mão

todos os pedaços se podem colar
dos ausentes fazem-se janelas
e delas sai-se para o mar

a encosta

ao abrir a janela de uma manhã
viu que o mundo tinha mudado
não disse nada a ninguém
e mudou com ele

domingo, 6 de novembro de 2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

a jujubeira

sabe-se que os povos fronteiriços
se entendem no leva e traz
em que língua e modos
se confundem
bem

como quando passaste
como quando passei
para esse lado
também


a dívida

quanto devo
a quem devo?
quem sois
que eu não vos vejo?
não serem de pastorinha
os meus olhos!
e como hei-de pagar?
com o dia-a-dia,
com a vida toda?
dizem-me que devo
e se devo, quero pagar
até à última gota de sangue
meu e por laço e afinidades várias
também vosso

creio, creio num só senhor
amo e eterno credor
existirei por conta dEle e
de quem me quiser roubar
na provida esperança de
alguém que me diga
se valho,
se não valho,
para pagar

por ora,
disponho de um pescoço
ainda rijo para cortar

as mãos,
levo-as à cabeça
estranho, estranho lugar




quarta-feira, 2 de novembro de 2011

da brandura*

a palavra que queres varia ligeiramente
neste instante oscila entre dócil e dúctil
sabê-lo-ias se fosses seixo redondo há muito no leito do rio
se nos teus gestos guardasses o perfume de um fruto em flor
se no teu canto se ouvisse a brandura do entardecer
na varanda do meu olhar



*Naranjo en Flor
poematango de Homero Expósito