domingo, 28 de outubro de 2012

2x4

esta mesa é quadrada ou talvez
quatro bordas de infinito
fosse mais exacto

é necessário que venhas
que a meças com as mãos nuas

é preciso que saibas
quanto medem as palmas
quando estão inteiramente abertas

e que espaço vai tomando
a oscilação dos dedos 
quando estremecem
junto aos meus

só então saberás
em exactas pulsações
da imensidão desta roda

sentemo-nos

domingo, 21 de outubro de 2012

para ti

são muitas as formas que tomas
sem que nelas possas durar

já ruiu a casa 
já desabou a mão temente
nenhuma sombra
nenhum possível

onde é que te gravei a voz
que te ouço sem me ver

onde é que te guardaste
os gestos no corpo, onde estão
que te dispo tão longe das minhas mãos

leva-me ao momento exacto da partida
da moldura breve do teu rosto faço
plano mais lento que a vida
abrem ainda as portas

leva-me ao sítio exacto em que me deixaste
que também se colhe do nada
pão, corpo e semente

são muitas as formas que tomo
sem que nelas possa durar
  

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

o barco

escondem-se as minhas penas
por detrás dos teus olhos cuidadores
e é dali que me espreitam uma ou outra vez
e é dali que são quase belas dentro desses azuis
a que chamas por meus lábios o mar dos teus olhos



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

cantiga

no voltar da saia
vi o rubro outono 
no teu rosto bailar

se chega o inverno
hemos de nele
maio atear

domingo, 14 de outubro de 2012

a saia verde

reconheces-me as mãos
no volteio da linha
nos remendos que crescem
neles reconheces a saia 
ondeia em voltas novas
novas de teus olhos amadas
ainda que nos rasgue o tempo
ainda que não mais bailemos
é verde e nova, a saia

mais tarde

vem um momento e não anuncia
que traz o esquecimento
toma forma e alento
e por mim diz
que passou


terça-feira, 9 de outubro de 2012

do vocabulário

nunca se despedaçou
porque não conhecia
o verbo


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Um


para desmaio de todos os deuses
sombra alguma sol algum
nos atravessou o peito 
este lugar de culto
é inviolável


terça-feira, 2 de outubro de 2012

do esplendor

acontece algumas vezes
em pleno decurso de vida normal
que as asas madrepérola de insecto
que entretanto tivesse pousado sem pressa
compreendam na perfeição o olhar que as deixa viver



perspectiva

alcançava nesse dia a vista muito mais do que era costume
debaixo dos telhados de prata, alguém reparou no friso quieto
era gente lá longe na colina, gente indistinta e tão pequena
que seria impossível dizer se alguém calava um olhar

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

o labirinto

dobando o fio, contou teseu a façanha
o único golpe,
a amada longa fama futura

dobava devagar, enternecidamente
amando já o temível monstro
que ao morrer o consagrara
e dobando, do labirinto contou:
esquinas afiadas, carnívoras!
sombras vindas do fim do tempo,
ecos de torturas infindáveis,
e finalmente a besta, o medo
e o único golpe,
implacável

dobado já todo o fio,
pousou o novelo refeito
nas mãos crédulas de ariadne
e embarcou sereno no mesmo mar
que nessa noite receberia o fio que ariadne foi deitar

desfê-lo devagar, amorosamente
contando o que sabia da longa dor presente
esquinas afiadas e carnívoras
sombras do fim do tempo
ecos infindáveis
o golpe lento do medo
a partida das negras velas
a partida incessante das negras velas

desfeito já o fio
desunidas as pontas
pôde ariadne embarcar

façanha maior que o mar