segunda-feira, 31 de maio de 2010

aqui o tens
esvaziei-o o mais que pude
como sempre
também o teu poeta se queixa de algumas dores
pesa-lhe a incomodidade dos séculos, a humidade do cais
pesam-lhe todos os navios que só passam
lamenta uma rasura
apressada
agora corte definitivo
(e era aquela a palavra)
pergunta-me pela tua voz
que é do poeta que me dizia?
embarcou,
embarcou
finges olhar em frente
para espreitar pelos cantos
a vida é uma soberba distracção
toda sempre nova a cada instante
e cheia de recantos desconhecidos do tempo
mas não de ti

domingo, 30 de maio de 2010

o azul do céu de Sequeira é uma ilusão
as nuvens sobre a terra de Sequeira
encontro fugaz da água e do vento
tudo já foi ou não chegou a ser
salvo o fio,
esse que ata um grito
à asa do pássaro
espreitador

todos os nossos instintos estão certos
e de nada valem
todas as nossas penas estão certas
e de nada valem
chorei-te vinte e quatro horas antes
não contando o fuso horário
e as desoras da vida
vais continuar teimosamente a nascer
não entendo nem aceito coisa nenhuma
que tu não me venhas explicar,
cerrando mais o véu


sábado, 29 de maio de 2010

digo-te agora, ainda vou a tempo?,
o maire finalmente concordou em diminuir as luzes de Paris
e crescem rosas, rosas e lírios também
de maio a dezembro
estes pedaços
são todos coisas inteiras
e todas as coisas inteiras são

inteiramente quebráveis
até só sobrar o sonho
talvez te enaltecesse
se o teu nome não fosse já uma ode ao mar

sexta-feira, 28 de maio de 2010

on m'a dit de ne pas te veiller trop longtemps
dá-me lá as tuas mãos para eu contar os palmos de tempo
que nos restam ainda a rir até que um de nós amue

quinta-feira, 27 de maio de 2010

corro atrás de mim uns passos
adianto-me ao passado
tenho do novo as mãos sujas de pó
confundidas nas tuas

lambo-as.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

converto-me a quê para saber
que ainda me lês?
tudo é dentro
tu onde estás?
descanso do futuro contigo
leio os teus poemas pela primeira vez
depois de tantas vezes os ter tacteado
guardo-os a todos nos bolsos
recorto-os letra a letra
e volto a juntar tudo
e das palavras
nasces tu
espreita-me do lado de cá
para eu me ver melhor

terça-feira, 25 de maio de 2010

dizem de ti:
1952-2010
de ti, Ademar!

é espantosamente solitário um poema
que não lerás no cair da noite


fui-me sentar no cais
a ver se passas e se me dizes
que afinal talvez sim


à hora em que partes
dou-me conta de que a água
queima
deixaste o cais e um mar
em mim

Ponto de partida

Este espaço é para o Ademar Ferreira dos Santos.