domingo, 29 de outubro de 2017

no bosque

colhes as bagas no bosque feito de mar
cuidando de não esmagar o azul
nos dedos quentes
arredondas o gesto e o semblante
agora tudo é aquela baga pequena e doce
e levemente acre
a lembrar o desafio do sangue às noites frias
corre, mensageiro, corre-me nas veias e leva-me
ou esmaga-me entre os dentes do desejo que nos perde!
leva-me nos amores sentidos entre a noite e o mar e o vermelho
ou perde-me na borda do longe e da espera, mastro do meu querer!

agora tudo é aquela baga pequena e doce e acre e tua

 

  






sábado, 28 de outubro de 2017

sopa de pedra

essa água que me dás compõe-se
da minha sede

estas letras
de tudo o que passou

por isso
não te enganes

se te peço apenas pouco mais
que nada

esta pedra é a minha perene pergunta
aos mistérios do mundo

com o que me trouxeres
farei a resposta

um talo
uma espiga
alguns bagos em
mão-cheia medida trémula

nada que se possa deixar escrito
quem entenderia esta métrica na cozinha?

comemos
até termos de novo

fome





quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Do querer




dois por quatro igual a um


terça-feira, 17 de outubro de 2017

Da Marinha a São Pedro

abrindo as copas verdes e o caminho
não havia nada que não pudesse começar ali
o sol
gosto primeiro dos dias longe de casa
a luz dançante dos pinheiros
a calma tão estranha da primeira viagem
e  o verde escuro das amoras escondidas

hoje, é a chuva mansa que me leva até ao Pinhal
onde tudo termina no barro triste das cinzas longas

nau sem fundo nem glória

hoje, a chuva que cresce abre as copas da memória
a uma promessa que faltou eternamente cumprir

nau de mares abertos e poetas no cais
sempre à espera do mundo melhor

abro o livro na mesma página
em que te deixei










terça-feira, 10 de outubro de 2017

Um

talvez seja estranho
este querer
creio que sim
quero que o seja


domingo, 1 de outubro de 2017

O sonho de Don Osvaldo

vi-te uma única vez
e essa vez me bastou
passávamos pela noite
soberanamente abraçados
no silêncio de quem tudo tem
quando Don Osvaldo, sempre ele,
pegou na orquestra, na pista, no tempo
e nos levou ao que não tem nome nem forma

vi-te todo de uma só vez
de olhos bem fechados
no mais alto lugar
em mim

ver-te assim
é ter tocado os limites
é saber que outro és
no caminho de fogo
em mim

ver-te
é ver-te assim