sábado, 9 de dezembro de 2017

Descansando do Presente*

de tudo o que já se perdeu no mundo
de tudo o que se desfaz e acaba
quanto nos fica nas mãos
quanto salva a memória?

entreguei-te ao Sul
andas por Santiago
por Neuquén
Nîmes
perco-te de casa
das gavetas fechadas
dos quartos cheios de tudo

passeias no mundo que temias
e amas o imenso redondo da Patagónia
as montanhas do Chile e as cores das travessias
o marchand de fleurs com olhos de mar
(que nome lhe darias?)
com todos te sentas à mesa
contando os dias

e por não teres já mão no destino
esperas-me em La Nacional
ou no Goya
e da letra do tango que te ensinei
dizes os versos que sabes que amo
brillaban tus ojos negros
claridad de luna llena

e continuas a escrever.



*Ao Ademar Ferreira dos Santos (09-12-1952 - ...).





















sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

56*

remexer
só em planos futuros

alinhar as velas pelo vento
e soprar com ele

guardar espaço para logo
e nenhum para depois

e demorar.



* Para a María Alonso Seisdedos, pelo novo ano a estrear.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Regresso a Buenos Aires

é como se o piano nos viesse buscar 
dedilhando um compás adentro
seguindo-nos pela pista 
rondando o desejo
abraça-nos o bandonéon 
desfaz-nos o bandonéon
segue a ronda sabendo-nos presos ao momento 
segue sem pena dos fantasmas que deixamos
lamento eterno de não poder durar
látego abafado da tua voz 
e o teu corpo revolto a tudo dizer
este é o único momento
este é o momento sem agora

que penas contínuas são essas
que nunca as conseguimos contar?
ainda há pouco estava nos teus braços
agora mesmo te senti comigo
ilusão antiquíssima 
segue comigo o fio

apagam-se as luzes e saímos
repetimos os versos, um a um,
dois por quatro perdidos na noite
a ronda agora é de dois
roubámos o piano e o bandonéon
acordamos livremente o olhar e os passos 
contamos cada segundo como nosso
contamos os dedos da fortuna e
agora estamos prontos 
este tango nasce assim

tempo desmedido
tempo vivido







 

Crepitante

Não se ateia fogo com fósforos usados
Morreremos pois desse frio triste
Da palavra que não lasca
Pedra inútil e vazia
Cópias magras e infelizes 
Inutilmente iguais e acabados
Arde ou não arde
Arde ou não arde
Cabeça breve
Cabeça chã

Qualquer coisa é chama
Qualquer coisa arde
E não se vê
Chamem Camões bombeiro
E os Sapadores da normalidade!
Em cada fósforo um verso a incandescer
No imenso mar gelado de não ter nada para dizer...

Fogo é e será sempre a palavra que deixas nascer
Que já nasceu e te toma com tanto desconcerto
Que não saberias nunca mais dizer
Outra