terça-feira, 21 de agosto de 2018

Farol


rocha e mar:
despedacemo-nos

lá longe
vaga incerto

o mundo




segunda-feira, 20 de agosto de 2018

o bandoneón tem as cordas
do sangue que nos move
a pele fremente
esperando
a tecla

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Impermanência

Despojar-se completamente
E era o começo de tudo
Ou um tiro final
Também serve
A saia de seda desliza
Uma única vez até ao chão

Casulo asa 
Mulher

Desliza o chão e a noite
Por fios de uma seda eterna

Que importa, quem conta
Se calamos ou dizemos

Asilo-nos num país improvisado
E desfias-me as fronteiras

Golpe finíssimo
A fingir de carrasco

Proclamação surda
Primeiro dia da derrota dos dias

 Memória desfeita nas tuas mãos

Tudo acabou
Chão larva momento

Por isso te conto 
Sempre novo

Desato o nó
Desliza a seda

História de um país mulher





terça-feira, 14 de agosto de 2018

Tormenta

Não é que não ame as bagas grossas de chuva
e as fendas de luz que rasgam a noite
mas como se atreve a natureza
a pôr-nos assim
em palco!

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Pela viajante à janela passam os rios largos da experiência 
Caudal voraz ou mansa e perdida folha
Tudo neles cabe
E nos basta

Humedecemos os lábios e todo o sal nos sabe
Ao ondular do sol no rosto
A viajante fecha os olhos
E rema.

domingo, 12 de agosto de 2018

49*

Conta-los um a um
Compasso de sangue
Espera lenta
Matriz mãe
Amarga

Desse sangue cantado
Sobram-te as veias e a garra
Noites a querer guardar o tempo
E bordas de tangos que mal aguentam
As mil quedas em que te precipitas

Desse arresto tentado
Sobram-te os voos redondos
E o passo amoroso em 4 ou 8 ou 16
Que o mestre sempre te quis livre
Tempo de um mate quente
Que se sorve lento

Ideia inviolável
Um corpo inteiramente vivo

Matéria breve
Célula mãe
Nascida

Dia arrebatado às cinzas,
Este


*Para Jorge, depois do transplante.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Peito
Proa
Barco

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

No espelho

de tão lenta, fugaz
sem antes nem depois
esta é a história de uma fotografia
instantâneo de vida por revelar
em película pele

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

vão-nos deixar sem nada
vão-nos tirar o pão da boca e a boca e o pensar nela
e os beijos que matavam a fome e geravam motins
e o motim maior que devora o pensar e o saber
e fica só assim a sentir a destempo
e o tempo, o tempo
o tempo

ontem
ou noutro dia qualquer
passei em frente do Coliseu
o concerto tinha definitivamente acabado
a rua e as paredes estavam miseravelmente sombrias

e ontem, ainda ontem, abri devagar as tuas mãos por nelas
vagar o sol

é pouco, tão pouco, fui apenas o movimento redondo dos teus olhos
quando ao chegares
parti

não nos vão tirar mais nada.