segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

modulação

retiro do poema os pássaros e o mar
deixo-os na irreprimível liberdade
de não serem a asa ou a onda
do que me traz a mim
do que me desfaz
crescendo

domingo, 30 de janeiro de 2011

a felicidade

lis de près
et tu sentiras
la douleur

réponse

pas de tableau
pas de mise-en-scène
les lumières sont éteintes

seul ta question m'illumine

sábado, 29 de janeiro de 2011

a praia

debaixo do desconhecimento útil
e bem-educado do chefe
das obras máximas
trias
dou a saber que
um grão de areia
macho ou fêmea
se moveu
na praia
que
ainda não

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

filiação

Caeiro toma-me das mãos a possibilidade de o escrever
e bebe-lhes o rio em que nunca nadou
eu mesma me bebo
até à sede

não tive mestre e por isso talvez
ainda não tenha nascido

quem me teve
quem me deu

a mim?

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

não há poema onde não se encontre
um pedaço de mar e o tempo
que a onda leva a chegar

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

o brinde

tudo é inteiro

esse caco é apenas pedaço
falha, vaso sem serventia, copo vazio
de todo o líquido possível
esse caco é inútil
fere apenas
não se lhe pode colocar uma flor dentro
não se lhe pode derramar champanhe dentro
não acolhe lágrimas saliva desejos de coisas boas e novas
coisas boas e novas, um caco!
esse caco fere
não podes envolvê-lo amorosamente como dedos
não podes levá-lo aos lábios e deixar que a língua goze na lisura do vidro
não podes encontrar-lhe na borda a forma do mundo
esse caco é agora ferida
a transparência (a manhã)
tinge-se de um rubro negro dor
porque não vês não compreendes
a natureza desse pedaço
que tens nas mãos
tudo te é inteiro

o copo partiu-se

domingo, 23 de janeiro de 2011

ojos de mar

les yeux ont laissé passer le regard
un peu avant le départ
homme et femme
sur un quais de pierre
(sous la pierre, ta sève)

la viajera est rentrée dans le train
et tout est rentré dans l'ordre
les stations et les jours
bien rangés là où l'on
les attend
(sous le livre, tes mains)

le train?
la viajera ne connait que l'océan
elle est ainsi descendue
le coeur débordé
(d'une illusion entière)

les lendemains et les veilles
se retrouveront toujours
dans l'instant
l'eau est tombée
sur la terre

la fleur née de la boue
ne peut qu'être belle

sábado, 22 de janeiro de 2011

Un

ton corps
m'emmène à la terre
l'île secrète et sa mer autour
Glass ou Pugliese
je ne sais plus
mais le corps
continue s'obstine
part
dans l'écoute de ce
au-delà du silence

quelque chose
oubliée ou perdue
pendant le transport
sur la route
autour de l'île
et la mer si près
la perte
quelque chose
oubliée ou perdue
que tu trouves
et ramasses
sans comprendre

c'est à toi?
elle ne m'appartient plus

le corps
continue s'obstine
part

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

minima moralia

nenhuma estranheza

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Merisi e o lagarto

a natureza toda
coube num dedo
sagazmente mordido

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Para G.

quanto tempo tem um texto dentro
a ti que o levas contigo e que o levarás ainda
depois da última página que é apenas o não haver mais papel

quanto tempo nasce dos instantes em que pensamos compreender?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

que fazem as maçãs no cesto
o mesmo que no poema
mas menos doces

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

arranjo-te hoje um torvelinho
um laço desavindo dos dedos
e da conjugação

volver

domingo, 16 de janeiro de 2011

sem-data

era seguro o lugar onde o mundo estava
o planalto era o trampolim dos olhos ágeis
e brincávamos sempre na borda dos precipícios
na total certeza da entrega do corpo ao peso do aqui e agora
não haver amanhã era uma evidência que só a manhã desfazia

mas havia gente com olhos a prazo, gente com o olhar gravemente perdido
e não era numa palavra-mágica que de repente os transportasse para um reino
não
era o olhar perdido nos prazos expirados ou pendentes, nos fracassos amealhados
em vez das moedas de oiro que só luziam porque os nossos olhos compreendiam o sol

na rua, ninguém respondia à criança à janela
porque ninguém ouvia nenhum tom
nenhuma cor

sábado, 15 de janeiro de 2011

les passeurs

où dort le passeur
je ne sais pas répondre
j'habite l'un des bords et il me fait passer
je le vois toujours pour la dernière fois le soir
quand il m'aide à sortir du bateau et sa main tient la mienne
je touche le bord et il me garde bien la main dans la sienne
avant que je ne touche toute la terre
je ne me suis jamais retournée
sur celui que je fais passer

où dort le passeur
cherchez le troisième bord

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

le porteur d'eau

entre la source et la soif
c'est quand que tu bois?

je la bois de la source
je la bois de la cruche
je la bois de tes lèvres
un manque réel de tissu
pour habiller les nymphes

un besoin entrelacé
de ses contraires

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

e se o sismo apenas te poupar as mãos
quando o mundo todo se deita na terra
e se tudo for pó e regresso sem volta
ficando tu em pé à espera do pão
da água do café da confusão matinal do
metro da glória daquela manhã na
janela do 5º andar e as cortinas que
roçavam os vidros e as mãos que
eram mais do que as minhas e as utopias e
o barulho dos vizinhos e o telefone que
não toca porque conversávamos no

ano da graça de 1755
ou 1969 ou talvez
um pouco mais

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Carta a Mariana Alcoforado

Mariana,
tenho estado em Beja
os campos continuam imensos
tão vazios que quem por lá passa
torna-se belo
o convento ainda tem todos os cadeados
mas todas as portas se abrem e ninguém estranha
que haja vento e que as folhas mudem todos os dias de lugar
tenho estado em Beja,
Mariana
e não há, não se encontra, irmã
um canto inteiro e fechado de mágoa e amor
uma só janela e apenas um sol
as tuas paredes são agora espelhos, Mariana
pedaços tão pequenos que não deixam a alma espreitar
e a tinta e o papel, os teus tesouros, bem o sei!
deixaram-nos secar e morrer
lá longe

Mariana,
deixo Beja amanhã

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

hoje foi fevereiro por duas vezes
o relógio-de-água recebeu
uma mão cheia de areia
e a onda que a leva
aos dedos
considère la durée
et oublie le temps
tout ce qui est
l'est
(changeant)



domingo, 9 de janeiro de 2011

sem-título

antes do nome
passou pelas bocas
a mesma sombra de fome

que nenhum pedaço de pão pôde saciar


l'autiste s'est encore replié
ses sens aboient furieusement

les cages sont toutes très exiguës
il cherche le coin dans la cage
il cherche l'abri du silence
une espèce de blanc

la laisse n'a pas tenu

sábado, 8 de janeiro de 2011

l'empire

dis-moi comment tu t'appelles
même si cela n'a aucune importance
-Samba!
joli prénom
on te fera certainement danser




hors saison

et l'hiver dit au printemps
je reviens demain pour
pouvoir encore
t'imaginer

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Malangatana

os filhos da Matalana
são belos como o tempo
as filhas da Matalana
são belas como a chuva

e esse calor quieto
e esse peito tão grande
é belo como se houvesse
comparação

sentados debaixo dos cajueiros
ouvimos o passado sem fim
como tu o sabias

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

a porta dá sempre para o lado de lá
para dentro de um lugar infinito
onde não mora ninguém

sim, mas, que faremos com o carteiro?

esqueçamos a porta
e a morada
o céu?
que tem ele?

sei que o lado da maçaneta coincide
com o sentido do vento

e que tenho as mãos rasgadas
de a rodar

a porta dá sempre para o lado de cá

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

graça divina esta
a de morrer

o coração dos deuses
é um rio gelado

présence

aucune définition
aucune explication
juste ce qui est
et qui saurait
le dire?

domingo, 2 de janeiro de 2011

éros et la femme

cet enfant qui te perce
ne t'a pas vue
il est toujours distrait
il ne voit que ta blessure
il s'en réjouit longuement





sábado, 1 de janeiro de 2011

ex-voto

esqueci-me dos rituais
e o tempo passou
como é seu hábito
haverá ainda uvas amanhã?
guardo o champanhe para um dia qualquer
e um dia qualquer é um dia novo
e se estiveres nesse dia
o dia será novo
e nosso