domingo, 15 de julho de 2012

poema para Campos

o que farão da tua vida mais uma vez assim disposta
dessa maneira gentil de existir sempre tanto
e de não caber em nenhum rosto
a arca abre-se ainda e 
no fundo, procurando bem
está o papel de folha de estanho 
que embrulhou outrora o chocolate desamparado

também a vejo daqui, a pequena suja,
já acabou de comer o chocolate e alisou o papel de prata
para nele confeita poder escrever :
tenho fome

vou à janela e passo eu.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

jangada de papel

deixo-te esta carta para te dizer que nada tenho a dizer que valesse a pena ser dito. as coisas são o que são, a vida é o que é e eu não fujo a esta régua nem a este esquadro, que aliás usava com gosto em criança, sonhando uma vez ou outra com formas mais dúcteis e comestíveis. não vou abrir aqui nenhum baú porque não tenho baús, já esqueci quase tudo o que não valia a pena lembrar e pouco vale a pena lembrar, talvez só    aquela vez em que a mão me escapou e do ângulo imperfeito do esquadro me saiu um pássaro que voou imensamente assustado e tremendamente maravilhado por cima das nossas cabeças. da tua e da minha, já não era eu muito criança, nem tu, e ele era novo e verde e laranja. mas sabes, a vantagem do esquadro é que ele não deixa fugir por muito tempo a mão dos noventa graus que estão sempre certos, desde que a mão não saia do ponto da verdade. a desvantagem, dirias tu, se eu te ouvisse em mim, é que o infinito começa nesses noventa graus, mas eu não te ouço, tens sorte. deixemos de lado este esquadro, antes que te lembres dos cento e oitenta graus da utopia amorosa, sigo naquilo que tenho para te dizer, isto é, nada. já lá vão algumas palavras, é verdade, mas até para nada se dizer é preciso gastar tinta e tempo, uns instantes, como aqueles em que parei a olhar para ti e me parece que decorreram muitas e belas vidas inteiras. quando assim é, não podem os dias, cheios de enfadonhos minutos , alcançar o momento em que o pássaro volta e o voo se parece com o estremecer dos teus lábios e por essa razão não podem os dias nada e muito menos os meses e os anos e os meus medos, e saltou-me outra vez a mão do esquadro, é da porcaria desta mesa que não é uniforme ou então é o esquadro que tem defeito. dizia eu que não podem os dias nada e agradeço-te por nada teres dito enquanto me ouviste a querer dizer-te mais do que sou capaz e sempre menos do que me exijo quando pressinto os teus pássaros em pleno e desconcertante voo. se soubesses, se soubesses como é implacavelmente tarde. mas as tuas metáforas são outras e pegas contente nos óculos por pensares que estará sol e que me poderias quebrar o esquadro com versos se alguma vez entrássemos em guerra aberta pelo meio dos dias subitamente coincidentes com o sul para onde vão os pássaros, esse sul que tu conheces incertamente bem, como eu. é mesmo implacavelmente tarde, deveria ter parado ali a carta, não há nada mais forte do que um advérbio bem colocado mas, não o fiz e lá deixei a mão vagar um pouco mais, nada mais que um pouco que diminui, vai diminuindo, até acabar.
como papel
como mar

segunda-feira, 9 de julho de 2012

num restaurante à beira-mar plantado

hoje, o estufado é diferente
pedimos desculpa mas o Coelho comeu 
as batatas, as cenouras e as couves 
que estufavam juntamente com ele 
hoje, talvez seja
batatas, cenouras, couves no Coelho
tudo bem estufado, isso não mudou

hoje, e excepcionalmente por ser hoje,
pedimos desculpas mas a panela comeu 
o Coelho com as batatas as cenouras e as couves
que estufavam já dentro dele
hoje, talvez seja
lume vivo debaixo das vossas mãos
tudo bem justificado, isso não mudou

a-paguem 
e voltem sempre


domingo, 8 de julho de 2012



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sexta-feira, 6 de julho de 2012

poema para Caeiro


a primavera veio entretanto
e olhando para trás espanta-se
com a falta que lhe faz não estarmos
para contar a história da flor por nascer