domingo, 29 de maio de 2011

o piquenique

a realidade? ia a tempo amanhã
hoje era ainda a canção da colheita
ou uma dança de pássaros e o momento
de a seguir com os olhos fixos na impossível
liberdade. a realidade? ia a tempo de amanhã
ser a parede fria que rodeia o quarto hoje. a real
idade? os pássaros comeram todas as migalhas
e vão todos chegar a tempo de serem mortais
o copo acaba ali naquele rebordo exacto dos olhos ou dos dedos
o que lhe está além é já o céu de amanhã
a gota que cai proverbial
dos meus lábios

25

deixo passar a data
ela lá vai, tranquila
num sono de viagem
não lamenta a paisagem
adormecida aos sentidos
passa apenas numa calma
de não saber que o dia já foi
e que algures alguém apenas
dormia

quinta-feira, 26 de maio de 2011

ventre

albergam-se sonhos
até serem realidade
dizia o anúncio

quarta-feira, 25 de maio de 2011

foi o tempo quem orquestrou
o teu rapto imenso
levou-te num passe de magia
ainda inexplicável
desligaram-se as luzes
vem a manhã


segunda-feira, 23 de maio de 2011

se por vezes me distraio
e me sento na borda devoluta dos dias
com o coração a ensurdecer aos gritos
faz-me o favor de não continuares
caminho

sábado, 21 de maio de 2011

Toalha Nova

No dia 22 de Maio de 2009, o Ademar escrevia assim:


Improviso por conta da agenda...

Teço as palavras
como se a vida
me pedisse todas as noites
uma toalha nova
sobre a mesa
a que me sento
com as estrelas
tomei de empréstimo
à memória das mãos
este tear
e só tropeço nas cedilhas
quando danço contigo.

Ademar
22.05.2009


Já não pôde escrever o improviso diário no dia 22 de Maio de 2010.

Ficou o tear, as nossas mãos e toda a saudade em que tropeçamos, Ademar.


talvez encontrasse alguma correspondência secreta
entre os números e as letras que nos vão fazendo
se não soubesse desde sempre que somos nós
o segredo
cuidarei das flores que esqueci
com a água que sabes eterna

e subirei aos teus ombros
para cairmos juntos

e sentirmos de novo
o milagre da terra

2:48: inacabados

quando me pedes que dance
que dance apenas aqueles minutos
e que finja que cada um deles não é o fim





entre as duas bordas
passa o mundo como rio
os amantes talham a madeira
nascem barcos e pontes
transborda a vida
mais tarde
alguém dirá que ali
passava um rio que
levava o mundo

escrevemos o fim antes
de poder começar e
ficámos assim
livres

terça-feira, 17 de maio de 2011

para a Maria Eugénia

trazias para junto da lareira
um pouco de mar
um punhado de terra
e muito papel branco
para entreter as meninas
que se espantavam com as cores
e tudo o que as mãos afinal sabiam fazer
e a tarde acabava sempre por passar ao som
desse imenso tagarelar

ao lado, afastando a morte sempre
o amor

segunda-feira, 16 de maio de 2011

serão três dias apenas
ou ganhará o teu sofrimento
um quarto dia ainda a enganar
a ceifeira que não canta o trigo
nos campos que já não vês

desejo-te daqui um rio
e uma mão amiga
para passar

e uma margem suave
para depois

domingo, 15 de maio de 2011

le chant

parfois un vrai petit oiseau dérange le silence
en chantant tout près sans jamais se montrer
la fenêtre bien ouverte ne révèle rien
il se cache dans son coin fermé
aux yeux humains

balzaquianos

palmas assim parecem chuva
quando o fruto da terra cresce
e se dá inteiro às mãos da colheita

um abraço

um abraço tem apenas o tamanho dos braços abertos até ao limite da possibilidade
acaba na ponta redonda dos dedos que acolhem uma outra pele
e percorre o peito e o rosto e todas as terminações
receptivas

não há registos cósmicos do evento

Um

separados
para podermos
momentanea
mente
ser a vida
antes
de adão e eva

depois
ser apenas
homem e mulher
e sonhar
paraísos

perdidos

sábado, 14 de maio de 2011

75%

ainda uma semana terá de passar
antes que o coração se revolte
por maioria qualificada
das mulheres

negativos

o dia esgotou-se na noite branca
o recorte da luz fende as pálpebras
o rebordo das falhas fere o corpo

a lua cresce imensa e nunca dorme

quinta-feira, 12 de maio de 2011

negociemos esta dívida
com as mãos em cima da mesa
e com os joelhos bem encostados
joguemos o que sobra para que nada fique
só o amor

terça-feira, 10 de maio de 2011

juste maintenant
l'instant s'est rendu
à son passage
talvez Camões não reconheça o frigorífico
mas sabe ainda quem é Lianor e a fonte
onde vai beber a água do olhar alheio

domingo, 8 de maio de 2011

genèse

avant que je ne mange le fruit
mes mains ont pris sa forme
mes mains ont pris sa faim


sábado, 7 de maio de 2011

odoratissimum, ce jasmin
que tu as dérobé au jardin
il faisait encore nuit
le temps où le rêve
est intact

odoratissimum,
ce matin






quinta-feira, 5 de maio de 2011

flores
são os pés sujos de terra
de andar pelo meio delas


terça-feira, 3 de maio de 2011

vi-te hoje ao longe
cada dia te pareces mais
com o meu olhar

segunda-feira, 2 de maio de 2011

homem ao mar e ficção em terra
lançaram o terrorista em morte poética
e guardaram a prova que já não é corpo
mas sopro de ser que olhos nus não vêem
talvez a próxima onda diga baixinho
o epitáfio que ainda ninguém ouviu


domingo, 1 de maio de 2011

postérité

donne-moi un cliché
que je pourrais déchirer
ou chérir ou alors oublier
dans un tiroir qui gardera
la trace invisible de nos doigts