segunda-feira, 8 de outubro de 2018

No fim do mundo

empunhavas um simples quadrado de seda branca
um quadrado livre e redondo como a queda da lua
nos braços da manhã, quando a luz se insinua
por dentro dos medos e os faz enfim
descansar
nada resiste à certeza da manhã
nada resiste ao gesto breve
de começar
as palavras nascem
e olham-se pela primeira vez
e levam nelas o corpo todo do tempo
que as cala e encerra dentro dos teus lábios
como numa arca que eu pudesse completamente abrir e
saquear
acto único de pirataria selvagem tantas vezes repetido
até ser acto primeiro, final!
o sal imenso dos teus lábios
mudamente nos meus
não cala nada
não esconde nada
saqueio o que posso, mas fere-me a luz da seda branca e 
rasgam-me a pele as arestas das pedrarias que roubaste sem piedade
e o sangue sabe-me ainda a mar e aos teus olhos no leme de não sei que vida
fecho os olhos e abro as mãos e de novo me surges como o dia novo, a ilha clara
talvez se esperar a manhã se acabem as palavras e o tempo nelas e nosso

devolvo-te o quadrado de seda branca
borda-lhe, se queres, a realidade