quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

poema para Lorenz

a borboleta regressou incólume do Texas
para pousar na haste improvável da minha mão 

o rebordo do copo trémulo rasgou levemente os lábios 
este é o sangue mil vezes derramado em mim

o silêncio fundo das palavras foi caindo sobre as coisas
e disse cacho em vez de amor, vide em vez de dor

o final da noite voltou e com ele trouxe a manhã
abre-se o casulo infinito algures no Brasil






quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

rota


da viagem, trouxemos dois cravinhos-da-índia
e a muita luz que os olhos não sabem disfarçar
quando embarcados se deixam naufragar

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

navegações


e se como Ulisses fundássemos Lisboa
a que porto nos levariam os dias



sábado, 15 de dezembro de 2012

tango nosso

tango imenso esse negro tango nosso
abrem-se cercas e lentas planícies
para que colhamos sem pejo
as flores que afogam os rios
nas gargantas emudecidas

fero e negro tango de não volver
ao tempo em que temos ainda
vinte anos para perder
em flores que desfolhamos
no acaso conjunto dos dias

tango nosso esse baque surdo
que cala a nua e negra terra 
e do eco longo e fundo
faz-se de um tempo
mundo




quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

cartografia


depois do cabo da terra
fica o fim do medo
dobramo-lo

chegamos ao outro lado
sem compasso nem glória
por globo os nossos olhos
madrugados

arredondamos os dedos
e buscamos na manhã
o último fio de mar
dobramo-lo

passamos embarcados
pelas ilhas do cabo do sonho
aonde se pode enfim amarar
madrugadas

depois do cabo do mar
fica o fim do medo
amaramo-nos


sábado, 8 de dezembro de 2012

Para o Ademar

dois anos depois
percorro as margens do rio
e sento-me com todos os sinais de ti
que passas sempre, diz-me a corrente
que estás perto, diz-me o vento
que chegas, diz-me a terra
e eu respondo com palavras
que talvez conheças
l'amour autrement
e talvez te ouça
quando rindo clamas 
que é todo o mesmo!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Para a María

sobre um fundo cinzento
a asa voa mais rubra
perto vaga,
perto vem,
pousando aqui
corpo de manhã livre
pousando além
corpo de dia inteiro