ir apenas quando se acabassem os sonhos
ir depois do último desejo
ir sem pena
tenho o teu epitáfio por escrever
teimas em viver
escondo a data e baralho as horas
entro no comboio de madrugada
entro na paisagem onde estás
os monstros são claros
deixam-se acariciar
penso que talvez seja
uma estranha passageira
que se levanta a meio da viagem
e sonha que sai do comboio em andamento
para entrar no gelo branco e quente do desconhecido
está gente à tua espera
faltaste ao ensaio
e ao dia
há quem encerre desejos como se fossem portas
há quem guarde sonhos com papel de embrulho
há até quem deite fora as penas
às segundas, quartas e sextas
junto com o lixo doméstico
indiferenciado
e diga ele
e não tu
a gente que te espera
guarda o tempo que te faltava
para chegares ao fim de todos os sonhos
não se escrevem epitáfios com fios do real
bem atados a quem somos
aqui não jaz
ninguém