deixou a folha manuscrita no chão de um campo distante
com o único poema que escreveu
deixou-a assim plana e simples
com o único poema
do mundo
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
domingo, 8 de dezembro de 2013
para o Ademar, no nosso aniversário
moldo este tempo a dois
com a leveza do barro novo
aprendiz discreta da arte antiga
rodeio-me das tuas mãos
e torno a ti como à terra
onde roçam as nuvens
decidimos da criação
uma mulher e um homem
e deles moldamos o voo
em que nos esquecemos
do instante em que as tuas mãos
se distraíram para sempre
da roda
com a leveza do barro novo
aprendiz discreta da arte antiga
rodeio-me das tuas mãos
e torno a ti como à terra
onde roçam as nuvens
decidimos da criação
uma mulher e um homem
e deles moldamos o voo
em que nos esquecemos
do instante em que as tuas mãos
se distraíram para sempre
da roda
sábado, 7 de dezembro de 2013
para a María
se ao mundo deste um certo falar de Ulisses
se do mundo cuidas pássaros e manhãs
sabes que tudo volta hoje sempre
a nascer
a nascer
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
terça-feira, 5 de novembro de 2013
poema doméstico
fiz hoje uma radiografia ao braço literal
acusou-te
como me pedes pouco quotidiano
e muita magia
fiz-me na carne coragem
deixo-te
faz hoje tanto tempo
faz hoje tanto tempo
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
Depois de Cesário Verde
comemos o pão-de-ló sem malvasia
tanta era a fome nesse fim de tarde
como penhasco a mesa alta
da literatura
como prado a leitura
um punhado de versos-papoila
no granzal dos dias
e por fim a graça suprema
de sair fechando a porta
de ter apenas o vento por guia
tanta era a fome nesse fim de tarde
como penhasco a mesa alta
da literatura
como prado a leitura
um punhado de versos-papoila
no granzal dos dias
e por fim a graça suprema
de sair fechando a porta
de ter apenas o vento por guia
sábado, 2 de novembro de 2013
sábado, 26 de outubro de 2013
Camões enrouquecido
lá vai Lianor com seu cântaro
bebe da eterna manhã, Lianor
chega e pousa a sede na boca da fonte e
bebe longamente, Lianor, na manhã quente
bebe lentamente
que a manhã é cântaro,
bica, luz ardente
corre a água em fio prontamente
escorre sempre
bebe ainda, Lianor
bebe, bebe,
que a fonte mente
a caixa
onde guardas o vivido
que não te traia a memória
onde guardas a memória
que não te traia o momento
onde vives enfim
que não te chegue a vida?
que não te traia a memória
onde guardas a memória
que não te traia o momento
onde vives enfim
que não te chegue a vida?
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Duas línguas para enterrar uma guerra*
le deuil
palavra dúctil
e tão demorada
que leva a vida toda
a ser pronunciada
não se ouve nela o sangue
dos que indo deixam rasto
dos que contam vinte e sete meses
pela ordem de cada novo dia
a suturar o abismo
não se ouve nela nada
que não seja a língua
que apenas assoma
ao sentido
*para João de Melo
domingo, 20 de outubro de 2013
Histoire de la vie privée
le grand récit broché
le nom gravé à jamais
la guerre et ses batailles
dates, gens, faits importants
grandes périodes
républiques
royaumes
rois-hommes
moments-phare
inscrits dans la mémoire
actes de naissance
actes de naissance
et leur sort
défilé anonyme
de la plus haute importance
puis
l'anecdote
l'anecdote
un regard et son étonnement
qu'est-ce que ce moment?
grand récit broché
nom gravé à jamais
la guerre et ses batailles
dates, gens, faits importants
grandes périodes
république
royaume
roi-homme
roi-femme
moments-phare
inscrits dans la mémoire
actes de naissance
actes de naissance
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Palavras roubadas*
o necessário
é mais genuíno:
subir à colina
contemplar onde está o vento
ver como é que as nuvens se movem
o pensamento tem sido o meu grande mundo
* a Bárbara Valadas, pintora e pastora
poema para explicar atrasos
ando há três anos a aperfeiçoar
a arte de não me atrasar
isto é,
chegar antes de ti
ao tempo em que não estás
domingo, 13 de outubro de 2013
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
genesis
somos exactamente assim irregulares
como degraus antigos e atapetados
como santuários selvagens
a frio
a preto e branco
onde as meninas se dão aos rituais
onde os meninos se dão aos rituais
no chão dos pássaros, dos vermes, das flores
no chão longe das estreitas salas públicas
de um ar condicionado à civilização
está frio
mas não o sinto
quando desço mudamente aos santuários
em que te fotografo
em que te pinto
e esculpo
sempre
terça-feira, 8 de outubro de 2013
o sorteio
coube ao papel cor de laranja
com o número 45
a sorte de te ter
perto
coube aos convivas
a sorte de não saberem
da festa do nascer
do tempo
cabe aos deuses
apartar os olhos da luz
e dela tecer histórias
da humana sorte
cabe-nos sempre
roubar o fogo
domingo, 6 de outubro de 2013
Do inominável
morto nº 1, provavelmente humano
morto nº 2, provavelmente humano
morto nº 3, provavelmente humano
morto nº 4, provavelmente humano
morto nº 5, provavelmente humano
morto nº 6, provavelmente humano
morto nº 7, provavelmente humano
morto nº 8, provavelmente humano
morto nº 9, provavelmente humano
morto nº 10, provavelmente humano
morto nº 11, provavelmente humano
morto nº 12, provavelmente humano
morto nº 13, provavelmente humano
morto nº 14, provavelmente humano
morto nº 15, provavelmente humano
morto nº 16, provavelmente humano
morto nº 17, provavelmente humano
morto nº 18, provavelmente humano
morto nº 19, provavelmente humano
morto nº 20, provavelmente humano
morto nº 21, provavelmente humano
morto nº 22, provavelmente humano
morto nº 23, provavelmente humano
morto nº 24, provavelmente humano
morto nº 25, provavelmente humano
morto nº 26, provavelmente humano
morto nº 27, provavelmente humano
morto nº 28, provavelmente humano
morto nº 29, provavelmente humano
morto nº 30, provavelmente humano
morto nº 31, provavelmente humano
morto nº 32, provavelmente humano
morto nº 33, provavelmente humano
morto nº 34, provavelmente humano
morto nº 35, provavelmente humano
morto nº 36, provavelmente humano
morto nº 37, provavelmente humano
morto nº 38, provavelmente humano
morto nº 39, provavelmente humano
morto nº 40, provavelmente humano
morto nº 41, provavelmente humano
morto nº 42, provavelmente humano
morto nº 43, provavelmente humano
morto nº 44, provavelmente humano
morto nº 45, provavelmente humano
morto nº 46, provavelmente humano
morto nº 47, provavelmente humano
morto nº 48, provavelmente humano
morto nº 49, provavelmente humano
morto nº 50, provavelmente humano
morto nº 51, provavelmente humano
morto nº 52, provavelmente humano
morto nº 53, provavelmente humano
morto nº 54, provavelmente humano
morto nº 55, provavelmente humano
morto nº 56, provavelmente humano
morto nº 57, provavelmente humano
morto nº 58, provavelmente humano
morto nº 59, provavelmente humano
morto nº 60, provavelmente humano
morto nº 61, provavelmente humano
morto nº 62, provavelmente humano
morto nº 63, provavelmente humano
morto nº 64, provavelmente humano
morto nº 65, provavelmente humano
morto nº 66, provavelmente humano
morto nº 67, provavelmente humano
morto nº 68, provavelmente humano
morto nº 69, provavelmente humano
morto nº 70, provavelmente humano
morto nº 71, provavelmente humano
morto nº 72, provavelmente humano
morto nº 73, provavelmente humano
morto nº 74, provavelmente humano
morto nº 75, provavelmente humano
morto nº 76, provavelmente humano
morto nº 77, provavelmente humano
morto nº 78, provavelmente humano
morto nº 79, provavelmente humano
morto nº 80, provavelmente humano
morto nº 81, provavelmente humano
morto nº 82, provavelmente humano
morto nº 83, provavelmente humano
morto nº 84, provavelmente humano
morto nº 85, provavelmente humano
morto nº 86, provavelmente humano
morto nº 87, provavelmente humano
morto nº 88, provavelmente humano
morto nº 89, provavelmente humano
morto nº 90, provavelmente humano
morto nº 91, provavelmente humano
morto nº 92, provavelmente humano
morto nº 93, provavelmente humano
morto nº 94, provavelmente humano
morto nº 95, provavelmente humano
morto nº 96, provavelmente humano
morto nº 97, provavelmente humano
morto nº 98, provavelmente humano
morto nº 99, provavelmente humano
morto nº 100, provavelmente humano
morto nº 101, provavelmente humano
morto nº 102, provavelmente humano
morto nº 103, provavelmente humano
morto nº 104, provavelmente humano
morto nº 105, provavelmente humano
morto nº 106, provavelmente humano
morto nº 107, provavelmente humano
morto nº 108, provavelmente humano
morto nº 109, provavelmente humano
morto nº 110, provavelmente humano
morto nº 111, provavelmente humano
Lampedusa, Outubro de 2013.
Lampedusa, Outubro de 2013.
sábado, 5 de outubro de 2013
quinta-feira, 3 de outubro de 2013
3 de outubro de 1964
guardo o último instante da infância
e ando com ele para trás
hoje houve bolo, balões, festa
e uma vela a apagar
hoje ensinei-te a soprar
a bater palmas ao grande feito
tanta vida pela frente
tudo, tudo a começar
e ando com ele para trás
hoje houve bolo, balões, festa
e uma vela a apagar
hoje ensinei-te a soprar
a bater palmas ao grande feito
tanta vida pela frente
tudo, tudo a começar
domingo, 29 de setembro de 2013
do indizível
a última decisão
levantar-se e ir à cozinha
ir buscar uma maçã doce
ir sem pressa nem propósito maior
é apenas uma maçã e o cesto está cheio
uma vida passa sempre igual a todas
esquecida entre o dever dos dias
entre passos medidos
a cozinha aproxima-se
subitamente longe
quanto mede um passo
quando deus tem sede?
a maçã continua intacta
o cesto cheio e inútil
o gesto e a sede suspensos
na surpresa maior
fecho a porta firmemente
levantar-se e ir à cozinha
ir buscar uma maçã doce
ir sem pressa nem propósito maior
é apenas uma maçã e o cesto está cheio
uma vida passa sempre igual a todas
esquecida entre o dever dos dias
entre passos medidos
a cozinha aproxima-se
subitamente longe
quanto mede um passo
quando deus tem sede?
a maçã continua intacta
o cesto cheio e inútil
o gesto e a sede suspensos
na surpresa maior
fecho a porta firmemente
atrás dela, crescem pomares
de antiga e eterna inocência
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
para António Ramos Rosa
fica-me nas mãos a terra que te não cobre
e nela os condicionais que semeamos
longos e lentos impossíveis
domingo, 22 de setembro de 2013
o berlinde
esse berlinde é magnífico, sim,
sei-lhe a história e o peso
sei-o todo por fora
mas é no jogá-lo
na curva que segue
nas tuas mãos vazias
que plenamente o amo
que faz um berlinde
em pleno meio de um silêncio
é só para isto que serve a poesia
terça-feira, 17 de setembro de 2013
pela borda do rio
arrisco tudo para não perder a sensação da última vaga antes do mar
arrisco saber depois o peso das palavras que trago nos bolsos
arrisco a noite com mais estrelas do que aquelas que julgava capaz
não veio nunca o dia em que a borda do rio chegava
domingo, 15 de setembro de 2013
sentido
creio inútil subir ao monte sequeira
tantas são as vezes que te sentas a meu lado
judia na sombra do rio limmat
vadia sem fé em terras prometidas
de amargas que são
as ervas tornam doce o pão
como uma última parte
corpo presente
e despeço-me
quarta-feira, 26 de junho de 2013
intenção
vou escrever um poema para ser como o Mistral
e levar com muito espanto e para muito longe
a água que te cobre o rosto
a água que de tão salgada
pertence ao mar
quinta-feira, 20 de junho de 2013
a casa
a voz que já não se ouve
continua a percorrer com os dedos
das mãos bem abertas as paredes do corredor
da casa que por não termos construo com vista
para ontem
quarta-feira, 19 de junho de 2013
terça-feira, 18 de junho de 2013
non sense
verde-limão
azul-mar
ou talvez prefiras
vermelho-mar
verde-cereja
azul-limão
ou ainda
o Mar Vermelho
cerejas ainda verdes
o limão bolorento que ninguém deitou fora
como vês
todas as palavras
estão infinitamente gastas
segunda-feira, 10 de junho de 2013
el pajaro del olvido
le silence poétique d'un
est l'enfer réel de l'autre
si l'on crie suffisamment fort
cet oiseau quittera les ciels
qu'il ne comprend pas
et viendra mourir trop près
comme si son sang était
rouge comme le mien
le silence d'un ciel
sans vol ni sud
sans vol ni sud
terça-feira, 21 de maio de 2013
segunda-feira, 20 de maio de 2013
assobiando
da próxima vez que uma ave passar por este poema
será um sabiá evitando os verbos que caçam
saltará de ramo em ramo esquecido
de tudo o que não for manhã
e se cantar eu ouço
se calar eu olho
segunda-feira, 6 de maio de 2013
histórias para acordar
era uma vez
e foi
fim da história.
essa história
não tem gente!
era uma vez
tu, eu, eles
nós
essa história
tem muita gente!
somos uma vez
e contamos a história
essa história
é real!
somos um sonho
que despertou
agora, dorme.
e foi
fim da história.
essa história
não tem gente!
era uma vez
tu, eu, eles
nós
essa história
tem muita gente!
somos uma vez
e contamos a história
essa história
é real!
somos um sonho
que despertou
agora, dorme.
sábado, 13 de abril de 2013
talvez para Marie Laurencin
concedo ao último olhar a vontade primeira
nele navegam os dias sem rumo sem fim
frescos súbitos de pintor enamorado
pelo momento em que mão e luz
se encontram
esta é a obra
este é o meu corpo derramado
pelo tempo do teu olhar em mim nascido
a viagem chega ao fim
saio antes, saio sempre antes
desse momento em que mão e luz
se perdem
creio uma só vez
esta é a minha vida derramada
pelo silêncio do teu olhar em mim nascido
no me hables de amor
sexta-feira, 12 de abril de 2013
quarta-feira, 10 de abril de 2013
689
das dimensões fez-se obra íntima
exposição pública para iniciados
vermelho gasto no tempo
na travessia da cor
até ao corpo
da obra fez-se visita
dela se guardou a chuva
protectora dos passos
senhora arisca ao sol que a descobre
na dança profunda das transparências
da casa fez-se baile e logo a música
veio insinuar-se nos olhos-lago
salas redondas de te buscar
por toda a imensa parte
dos três números impressos
fez-se o sangue vivo do momento
chovia, chove ainda,
que é da chuva que nos abriga?
das mãos prestidigitadoras fez-se texto
linhas curvas que não cabe decifrar
por onde quer que leias
há um nome que não se pode ocultar
da obra íntima do acaso
segunda-feira, 1 de abril de 2013
s.d.
a menina da janela sabe tudo do poeta do cais
ambos partem incessantemente juntos
e não se sabe se algum dia
voltaram
ambos partem incessantemente juntos
e não se sabe se algum dia
voltaram
sexta-feira, 15 de março de 2013
Fernando e José
branco o voto
em verbo o ponho
pedaço de papel estorvo
à raiz da mais bela árvore do quintal
quando nele é negro o sangue que não pulsa
branco o voto
em nome o ponho
pedaço de alma mundo
pedindo o azul profundo dessa maré
que tarda em arrastarme contigo, irmão,
para o longe que mais perto soa
(sem hífen)
em verbo o ponho
pedaço de papel estorvo
à raiz da mais bela árvore do quintal
quando nele é negro o sangue que não pulsa
branco o voto
em nome o ponho
pedaço de alma mundo
pedindo o azul profundo dessa maré
que tarda em arrastarme contigo, irmão,
para o longe que mais perto soa
(sem hífen)
terça-feira, 12 de março de 2013
poema para bocas caladas
marca encontro com o momento
e diz-lhe, diz-lhe! que estarás tu
em vez do esquecimento
e diz-lhe, diz-lhe! que estarás tu
em vez do esquecimento
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
clepsidra para um louco
já contei todos os minutos que hoje
passaram. contei-os um a um,
com cuidado e método,
com toda a atenção
não fosse algum
perder-se
estão todos
nenhum se perdeu
nenhum se precipitou
para o minuto seguinte
tudo está na ordem de vida
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Para Laetitia
fica sempre mais além esse azul do longe
que perto sempre ronda os teus olhos
na curva de amanhã, o dia revelará
o império simples da mais esquecida alegria
matar sede com água, matar estrelas sonhando
as mãos que trazem a água e o passeio de ver as estrelas
são ainda ponte e estrada e também elas têm longe
em todos os outros azuis por achar
mas é no sítio sem perto nem longe
que acaba o dia em roda eterna
sempre
sábado, 2 de fevereiro de 2013
domingo, 27 de janeiro de 2013
do individualismo
é da mais profunda liberdade ir o dono do castelo viver debaixo das estrelas
e assim descobrir que elas morreram há muito no céu da cidade grande
deixando pelo caminho a luz que já não chega, que já não há
é livre de se apossar do chão em que todos cospem
de dizer o que bem quer para ninguém
é livre de todos os seus movimentos
entre hoje e amanhã, o plano é
não morrer ou
não matar
é da mais óbvia liberdade regressar o dono do castelo a sua casa
e assim descobrir que elas morreram há muito no céu da cidade grande
deixando pelo caminho a luz que já não chega, que já não há
é livre de se apossar do chão em que todos cospem
de dizer o que bem quer para ninguém
é livre de todos os seus movimentos
entre hoje e amanhã, o plano é
não morrer ou
não matar
é da mais óbvia liberdade regressar o dono do castelo a sua casa
l'envol
je connais très bien l'histoire de l'oiseau qui volait
et je vais te la raconter mais il faudra rester assise
ne pas prendre les ailes de mon oiseau pour les miennes
ne pas vouloir déposer sur mes lèvres le goût du miel ailé
ne jamais me demander de nommer cet envol puisque
ce n'est qu'un bel oiseau et sa nature dans
des phrases bien tournées et structurées
un vocabulaire précis
des mots choisis
réfléchis
dans mon histoire, il n'y aura pas de ciel au sud ni de vallée
dont le soupçon attire le vertige au bout des doigts
il n'y aura pas la fraîcheur surprenante des rivières
ni le débordement titillant des fleurs
il y aura un oiseau et son vol
un oiseau libre
un oiseau.
sábado, 26 de janeiro de 2013
saturnália
a coincidência nada esconde a não ser as mãos que atam
duas e distintas pontas de desencontrados fios
juntam-se deuses e espíritos e todas as coisas primeiras
mas nada podem contra as mãos que assim tocam
nos irremediáveis fios que ali se encontram
são talvez frutos de uma videira amada
porque dela bebemos e comemos
são talvez os frutos amargos de Saturno
que devagar devoramos
são todas as mãos que semeiam e colhem
que guardam e servem e o balcão onde seguros
celebramos a eternidade absoluta desse entrelaçar
a minha mão na tua nada esconde, nem sequer
o nó que só a pele dos dias conhece
ouro, vinho e mel
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
a dívida do trovador
partiu sem talvez saber
que nesse amor falhado
que nesse sonho findo
ficámos a haver
aquilo que é lindo
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
a queda
de cada vez que ícaro cai desamparado e forte
nas águas muito azuis da dor, os olhos cheios de luz
alguém que placidamente passava se espanta impaciente
e a mão que outrora atirava flores ao mar num impulso de semeador
que delas colhia sustento abundante para desfolhar os mistérios mais fechados
fecha-se na certeza da pequena pedra que as águas abandonaram e que não necessita
alimento
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
na ilha
pertencemos ao tempo
e com ele aprendemos
a espantosa liberdade
do instante seguinte
por isso nos despimos devagar
por isso vivemos a comoção do gesto que quer dizer o antes
por isso saboreamos o alento descompassado de quem perde o pé em mar próprio
e o grito absurdo que se nos segue é ainda e sempre antes de tudo
e a maré veio mais uma vez confirmar
que naufragámos e nos recolhemos
nos braços seguros da ilha
não temos nome para nada
a ilha é desconhecida
como os teus olhos sob a sombra de uma dúvida nova
como os meus olhos que não sabem deixar de olhar para os teus
nunca os vi, como são, o que dizem, que cores tomam sob os teus que agora
me respondem?
pertencemos ao tempo
e nele nascemos
e com ele aprendemos
a espantosa liberdade
do instante seguinte
por isso nos despimos devagar
por isso vivemos a comoção do gesto que quer dizer o antes
por isso saboreamos o alento descompassado de quem perde o pé em mar próprio
e o grito absurdo que se nos segue é ainda e sempre antes de tudo
e a maré veio mais uma vez confirmar
que naufragámos e nos recolhemos
nos braços seguros da ilha
não temos nome para nada
a ilha é desconhecida
como os teus olhos sob a sombra de uma dúvida nova
como os meus olhos que não sabem deixar de olhar para os teus
nunca os vi, como são, o que dizem, que cores tomam sob os teus que agora
me respondem?
pertencemos ao tempo
e nele nascemos
mise en abyme
coube o quadrado dentro do círculo
e sucederam-se até sobrar apenas um ponto
que é a vertigem de já não poder haver nada
fizeram-se cálculos e somaram-se impossibilidades
as portas abertas davam sempre para o negro infinito
investigaram-se os espaços vazios e a tinta resvalada
procurou-se no aparo finíssimo do pensamento
a impossível densidade
encontrou-se apenas e sempre
vertigem e nada
inventou-se então o amor
e saímos
a gota
nas formas que toma o vinho quando nos lábios desenha os rios que não subimos
corre o dia em que nasce o fogo que espezinhamos como se fosse já cinza dormida
mas ele de tão redondo, e elas de tão cheias, tomam-nos a mão que segura o copo e
brindam-nos a sorte de todas as coisas que fogem livres da capacidade máxima
da borda
da borda
sábado, 19 de janeiro de 2013
para G. em dia de aniversário
e assim foi a travessia no silente frio branco
de uma imensa planície nocturna
trilho de luz íntima e cor nua
como se ao corpo fosse dado
um coração-mapa
um coração-guardião
como se à mão que nele se apoia
fosse dado o segredo mais calado
e os anos fossem apenas o piscar de olhos
de uma coruja velamente distraída
pelo passo redondo da valsa
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